O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin determinou a soltura de Andreson de Oliveira Gonçalves, lobista preso preventivamente desde novembro de 2024 e investigado por supostamente liderar um esquema de corrupção envolvendo assessores do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O caso, apelidado por investigadores de Operação Corte Cega, mira a suspeita de “venda de facilidades” — acesso privilegiado, influência sobre despachos internos e suposta negociação de decisões em processos de alto valor econômico.
As investigações começaram após o assassinato do advogado Roberto Zampieri, em dezembro de 2023, em Cuiabá. A análise do celular de Zampieri revelou diálogos que apontavam para a compra de decisões judiciais, envolvendo desembargadores e o lobista Gonçalves, que compartilhava minutas antecipadas de decisões do STJ e alegava influenciar assessores de ministros. A Polícia Federal, por meio da Operação Sisamnes, identificou transferências bancárias suspeitas, como R$ 4 milhões pagos a um servidor do STJ, reforçando as acusações de corrupção ativa, organização criminosa e violação de sigilo funcional.
A decisão foi motivada por um pedido da defesa, que alegou grave piora na saúde do investigado após quase oito meses de detenção. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, também se manifestou favorável à libertação, e Gonçalves deverá usar tornozeleira eletrônica, permanecendo em prisão domiciliar em sua residência em Primavera do Leste, Mato Grosso.
A prisão foi substituída por medidas cautelares: monitoramento eletrônico, entrega de passaporte, restrição de deslocamento e proibição de contato com outros investigados.
Tecnicamente, Zanin sustentou que a prisão preventiva não pode se converter em pena antecipada quando a investigação se prolonga sem denúncia formal ou sem elementos novos que justifiquem a continuidade da custódia. Na letra fria do processo, trata-se de uma decisão ancorada em garantias constitucionais. Na temperatura política do Brasil real, porém, o gesto cai como gasolina num barril de descrédito: mais um poderoso deixando a cadeia antes de a sociedade entender o tamanho do escândalo.
Uma decisão seletividade – Para o cidadão comum, o tempo da Justiça é cruelmente desigual. Réus pobres mofam em prisão provisória por delitos menores; investigados de colarinho branco contam com bancas estreladas que transformam garantias em atalhos. Quando o STF solta um personagem do mundo dos bastidores de Brasília, a narrativa da Justiça para poucos ganha prova viva.
Se a prisão preventiva de um operador acusado de intermediar milhões em propinas cai em meses, qual o real custo de participar desse jogo? A sensação é de que o risco jurídico é administrável — parte do orçamento da corrupção.
O Supremo já enfrenta acusações de protagonismo político excessivo. Ao intervir num caso que toca o STJ, outro tribunal de cúpula, reforça-se a impressão de uma casta togada que se autoprotege, ainda que a decisão, no mérito jurídico, possa ser defensável.
Quando a ponta judicial abre a porta cedo demais, o recado aos investigadores é desalentador: “façam todo o esforço, nós soltamos”.
O Estado deve justificar cada dia de privação de liberdade antes da condenação. Mas garantismo não pode ser privilégio escalonado por renda e acesso a ministros. O teste honesto seria comparar: quantos réus pobres, com processos superlotando varas criminais país afora, recebem o mesmo zelo temporal? Quantos ganham monitoramento eletrônico em vez de permanecer meses na triagem de presídios?
O STF gosta — com razão — de lembrar que protege direitos fundamentais. Está na hora de provar que esses direitos não têm CNPJ nem sobrenome composto.
Quais os parâmetros de prazo e gravidade usados por Zanin para substituir a prisão? Há métrica replicável ou tudo depende do ministro da vez?
Mesmo uma decisão juridicamente sustentável pode ser politicamente tóxica se comunicada de modo opaco. A supremocracia procedimental — votos prolixos, linguagem hermética, sigilo seletivo — distancia o STF da sociedade. Resultado: cada benefício processual concedido a figurões vira combustível para a tese da impunidade sistêmica.
Defender o devido processo legal não é flertar com a impunidade. O que corrói o sistema é a percepção — cada vez menos percepção e mais experiência — de que as garantias só florescem no jardim dos bem relacionados. Se o STF deseja preservar autoridade moral, precisa uniformizar critérios, acelerar julgamentos e submeter decisões sensíveis à revisão colegiada célere. O cidadão não pede arbitrariedade; pede equidade.
Garantismo sem igualdade é privilégio disfarçado de princípio.
Por Marcos Soares
Jornalista – Analista Político instagram.com/@marcossoaresrj | instagram.com/@falageraltv
Todos os dias sempre um novo artigo com opinião e análises políticas.