Lisboa se tornou, nos últimos dias, o epicentro informal da política e da Justiça brasileira. O XIII Fórum Jurídico, promovido sob o manto do debate acadêmico, transformou-se em algo que muitos já chamam de “Gilmarpalooza” — uma caricatura institucional onde ministros do Supremo Tribunal Federal confraternizam com políticos do Centrão, empresários réus e dirigentes de estatais, todos juntos num convescote de luxo com dinheiro público.
É grave. E não apenas pelo que se viu, mas principalmente pelo que isso simboliza.
Justiça de conveniência?
Quando ministros da mais alta Corte do país participam de encontros informais com parlamentares que são alvos de investigações — e que, não raramente, terão seus destinos decididos por essas mesmas togas — não estamos mais diante de uma democracia funcional, mas de uma justiça de conveniência. Os fundamentos da separação dos poderes são corroídos a cada taça de vinho brindada em salões lusitanos.
Mais do que imoral, é simbólico: quem deveria julgar imparcialmente se mistura aos que esperam ser absolvidos.
A conta, claro, é pública
A farra é bancada por dinheiro do contribuinte. Viagens internacionais, hospedagens em hotéis elegantes, jantares de bastidores e passagens de classe executiva são pagas com verbas públicas, enquanto hospitais colapsam, escolas carecem de estrutura e servidores enfrentam cortes.
Como justificar isso diante de um povo exausto por impostos e promessas não cumpridas?
O STF e o abismo da desconfiança
O Supremo Tribunal Federal deveria ser a casa da Justiça, não um gabinete de articulação política. A Constituição de 1988 deu ao STF uma nobre missão: guardar a Constituição e proteger a democracia. Mas ao longo dos anos, parte da Corte assumiu um protagonismo que ultrapassa o limite da legalidade para se aproximar do personalismo institucionalizado.
Quando ministros se tornam líderes políticos de fato, suas decisões deixam de ser vistas como técnicas e passam a ser lidas como atos de poder, vingança, aliança ou autopreservação.
E isso é um perigo.
A elite que se protege
O Fórum de Lisboa revelou mais uma vez que existe uma elite política, jurídica e empresarial no Brasil que vive em um sistema paralelo, onde o mérito, a ética e a responsabilidade pública são conceitos maleáveis. Essa elite se encontra fora do país para negociar o que jamais deveria ser objeto de conversa: o destino da Justiça brasileira.
Enquanto isso, o cidadão comum, que paga a conta, segue distante do debate, confinado à sua indignação impotente.
O Brasil real não estava em Lisboa
O Brasil da periferia, dos professores sem recursos, dos aposentados esquecidos, das vítimas da violência urbana, dos pacientes nas filas do SUS — esse Brasil real não estava representado em Lisboa. E talvez nunca esteja.
Aos que ainda acreditam que a ética pública é um valor a ser preservado, o “Gilmarpalooza” é um tapa na cara. Um escárnio institucional. Uma evidência de que a crise brasileira não é apenas política ou econômica — é moral.
Não há país democrático que sobreviva à promiscuidade entre julgadores e julgados, entre público e privado, entre justiça e interesse. O XIII Fórum Jurídico de Lisboa ficará na memória como um marco — não de avanço jurídico, mas de retrocesso ético.
Se a toga perdeu a cor branca da imparcialidade, talvez esteja na hora de repensar tudo: o papel do Supremo, a relação entre os poderes, e, acima de tudo, o preço que estamos pagando para sustentar uma elite que opera acima das regras que impõe aos outros.
Por Marcos Soares
Jornalista – Analista Político
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Lisboa se tornou, nos últimos dias, o epicentro informal da política e da Justiça brasileira. O XIII Fórum Jurídico, promovido sob o manto do debate acadêmico, transformou-se em algo que muitos já chamam de “Gilmarpalooza” — uma caricatura institucional onde ministros do Supremo Tribunal Federal confraternizam com políticos do Centrão, empresários réus e dirigentes de estatais, todos juntos num convescote de luxo com dinheiro público.É grave. E não apenas pelo que se viu, mas principalmente pelo que isso simboliza.Justiça de conveniência?Quando ministros da mais alta Corte do país participam de encontros informais com parlamentares que são alvos de investigações — e que, não raramente, terão seus destinos decididos por essas mesmas togas — não estamos mais diante de uma democracia funcional, mas de uma justiça de conveniência. Os fundamentos da separação dos poderes são corroídos a cada taça de vinho brindada em salões lusitanos.Mais do que imoral, é simbólico: quem deveria julgar imparcialmente se mistura aos que esperam ser absolvidos.A conta, claro, é públicaA farra é bancada por dinheiro do contribuinte. Viagens internacionais, hospedagens em hotéis elegantes, jantares de bastidores e passagens de classe executiva são pagas com verbas públicas, enquanto hospitais colapsam, escolas carecem de estrutura e servidores enfrentam cortes.Como justificar isso diante de um povo exausto por impostos e promessas não cumpridas?O STF e o abismo da desconfiançaO Supremo Tribunal Federal deveria ser a casa da Justiça, não um gabinete de articulação política. A Constituição de 1988 deu ao STF uma nobre missão: guardar a Constituição e proteger a democracia. Mas ao longo dos anos, parte da Corte assumiu um protagonismo que ultrapassa o limite da legalidade para se aproximar do personalismo institucionalizado.Quando ministros se tornam líderes políticos de fato, suas decisões deixam de ser vistas como técnicas e passam a ser lidas como atos de poder, vingança, aliança ou autopreservação.E isso é um perigo.A elite que se protegeO Fórum de Lisboa revelou mais uma vez que existe uma elite política, jurídica e empresarial no Brasil que vive em um sistema paralelo, onde o mérito, a ética e a responsabilidade pública são conceitos maleáveis. Essa elite se encontra fora do país para negociar o que jamais deveria ser objeto de conversa: o destino da Justiça brasileira.Enquanto isso, o cidadão comum, que paga a conta, segue distante do debate, confinado à sua indignação impotente.O Brasil real não estava em LisboaO Brasil da periferia, dos professores sem recursos, dos aposentados esquecidos, das vítimas da violência urbana, dos pacientes nas filas do SUS — esse Brasil real não estava representado em Lisboa. E talvez nunca esteja.Aos que ainda acreditam que a ética pública é um valor a ser preservado, o “Gilmarpalooza” é um tapa na cara. Um escárnio institucional. Uma evidência de que a crise brasileira não é apenas política ou econômica — é moral.Não há país democrático que sobreviva à promiscuidade entre julgadores e julgados, entre público e privado, entre justiça e interesse. O XIII Fórum Jurídico de Lisboa ficará na memória como um marco — não de avanço jurídico, mas de retrocesso ético.Se a toga perdeu a cor branca da imparcialidade, talvez esteja na hora de repensar tudo: o papel do Supremo, a relação entre os poderes, e, acima de tudo, o preço que estamos pagando para sustentar uma elite que opera acima das regras que impõe aos outros.